Além da resenha, uma pequena história sobre a importância do brincar na educação

Daniel acorda porque o olho pulsa. Eu acordo porque o despertador toca.

Quando anda, pula e imita sapo. Sobe na mesa e pula no chão. Dou risada, quanta energia, vem sapinho! “Sou dinossauro!” Inventa um pulo novo (de canguru, denomina de imediato). Dá cambalhota, estrela, fica de cabeça pra baixo. Não anda: oscila entre correr e inventar passos novos. Canso de olhar, encosto na cadeira, que fôlego Daniel tem!

Eu não pulo. À noite tenho uma hora e dez minutos na academia. Cronometrados. Passo séries agachando olhando minha própria imagem no espelho, separando meus movimentos em exercícios. Puxo uma barra para o bíceps, quase morro. De tédio. Acabo rápido para mais trinta minutos de caminhada feito rato de laboratório. Na televisão alguma bobagem me entretém enquanto conto os segundos para fugir de carro daquele lugar iluminado.

Passo o dia me arrastando entre compromissos. Olhar pro lado não posso, já são dez pra alguma hora, em cinco tenho que chegar, se não chegar em dois tenho que ligar, daí preciso correr mais. Chego e tenho compromisso. Não tenho tempo para o ócio, olhar no olho não consigo, desculpa, estou atarefada.

Não acredito em ninguém na entrada do metrô. Dos que pedem dinheiro ou informação. Sou ressabiada, passo reto, converso pouco, seguro a bolsa, pego o celular: me divido entre me esconder nele e esconder ele. Sou triste no metrô.

Daniel vai para a escola sem se importar com o meio de transporte. Ele olha o mundo. Dorme no ônibus, cantarola pelo caminho. Quando a pé, conhece os cachorros de todas as casas, as árvores das quais mais caem folhas, os chãos de todas as calçadas.

Não romantizo a infância. Daniel se irrita. Sabe que pode mandar. Sabe ser cruel. Diz que não gostou do presente, que o bolo da tia é ruim, chora a alma porque está cansado e nem sabe. Mas quando acorda irritado não engole o choro e vai trabalhar. Não esconde o que sente. Grita, chora, se joga no chão, às vezes não consegue ouvir não.

Daniel tem a vida toda para aprender a se comportar. Tomara que ele entenda que crescer não é esconder sentimentos. Tomara que ele continue a fluir, tomara que a gente reaprenda com ele a brincar.

Um filme sobre a alegria

Tia Maria do Jongo da Serrinha (Madureira, RJ), emanação da alegria

Tarja Branca: a revolução que faltava, é um documentário brasileiro dirigido por Cacau Rhoden e feito pelo mesmo time dos incríveis Criança, a alma do negócio e Muito além do peso (que já recomendei por aqui).

Para além da infância, o documentário fala do remédio que nossas sociedades estão esquecendo de tomar. Crianças e adultos cada vez mais distantes da cultura popular, da ludicidade, do senso de comunidade, de pertencimento a um grupo: estamos todos perdendo qualidade de vida junto com nossa capacidade de brincar.

Num equívoco imenso, associamos o brincar a não-seriedade, zombaria, imaturidade. Mas brincar é essencial para nossa sobrevivência e o documentário traz relatos de gente encantadora contando de suas infâncias e de suas brincadeiras de gente grande.

Tarja Branca é um filme para sair do cinema querendo pular corda, dançar na chuva, correr pelo parque, ser mais leve, mais alegre, e reaprender a despertar o lúdico dentro da gente. Recomendo para a criança que existe dentro de você.

“Você tem que lembrar do menino que você foi, e perguntar: o que você fez de mim?”
—Marcelino Freire

Eu e minha irmã: minha participação (você vai entender no fim do filme)